segunda-feira, 3 de abril de 2017

O prédio

Naquele prédio inusitado, tudo era de loucos! A porteira coscuvilheira de ouvido atrás da porta que vivia de contos e ditos. Depois batia no peito com santimónia para dizer que não era de intrigas. As velhinhas dos últimos andares, que arrastavam o véu negro da morte, pelas vidas entediadas. Eram queridas inimigas. Uma tinha artes de surrupiar, a outra vivia em conflito com a neta. Os gatos eram verdes, amarelos e vermelhos. As escadas, eram infinitas até ao céu. Tudo me punha a cabeça a andar à roda. No apartamento, do Diogo, era um entra e sai de mulheres, no rés do chão Silvina e Toninho, discutiam mais uma vez "Sou uma desgraçada". "Dá-me um beijo"- dizia ele. "Chega-te para lá, que fedes a álcool". "Vou ao pão" e Silivina metia-se na mercearia para se amantizar com o merceeiro. Que deleite para Alice, a porteira, já ter o que contar. "Vá Toninho, que bom homem! Qualquer dia temos de mandar alargar as portas". "Cala-te mulher, só dizes disparates" - resmoneava Carlos Zé, o marido.
Era nas horas que me ausentava para ir visitar Dona Leonilde, para me fazer passar pelo seu neto Bruno, que encontrava um pouco de sossego. "Lá vai ele esmifrar a velha louca" - dizia a porteira à vizinha a sussurrar. "Que está a dizer?" - perguntava-lhe eu, acenando o dedo em riste. "Sua maldosa, não sabe o que é compaixão".
"Chegaste Bruno, vieste atrasado." -dizia Dona Leonilde, com o diário de Maria Rita na mão. Naquele momento não era Guilherme, mas sim Bruno. Sentava-me aos seus pés, ela afagava-me os cabelos e eu começa a ler, a vida triste de Rita, que a todos nós muito ensinou...
Por Tiago Seixas, súmula de "Os Pássaros também choram"

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