quarta-feira, 5 de abril de 2017

Os Filhos do Nada

Os Filhos do Nada (Tiago Seixas)

Os Filhos do Nada
Também tiveram pai e mãe
mas não tiveram colo
nem blandícias ao adormecer
Os Filhos do Nada
constroem castelos de sonhos
e de caixotes da rua
Fazem capas de herois
Os Filhos do Nada
Nada têm, mas tudo são
São reis e príncipes
Das ruas, das esquinas
e têm como amante o luar
Os Filhos do Nada
Nada têm
São livres, para voar
Não vivem presos ao capitalismo
e a suas chagas, são eufemismos
Os filhos do nada
são os que mais depressa dizem
por favor,
obrigado,
com licença
Os filhos do nada
nada têm
mas têm o sonho
e na ponta dos pés, a esperança do mundo...

Tiago Seixas, (dedicado a todos aqueles que se sentem sós, oprimidos, abandonados, mormente aos sem-abrigo)

https://www.facebook.com/TiagoSeixasEscritor

segunda-feira, 3 de abril de 2017

TALVEZ UM DIA

Talvez um dia...(Por Tiago Seixas)
Um dia talvez eu seja assim
Ganhe ases e voe mundo fora
Talvez me torne maior, 
e do alto consiga ver a beleza que o universo tem
consiga atravessar oceanos e continentes
e pouse nas mãos de quem me ama
Um dia talvez eu seja assim
Consiga ver a perfeição no Homem lá do alto
Talvez eu perceba como tudo funciona
Que o meu grito não saia preso
ao ver tanta injustiça, ingratidão, sofrimento
tanta desigualdade
e pouse nas mãos dos solitários
Um dia talvez eu seja assim
Já não precise de derramar lágrimas
nem me digladiar por tantas causas
Porque tenho asas para cobrir
aqueles que têm frio
Um dia talvez eu seja assim
Seja livre e só tenha asas
e que as tesouras não cheguem ao céu
para que eu possa voar livremente
Talvez um dia
eu perceba o porquê das coisas
e por que choram as crianças
e por que choram os idosos
e por que choram os amantes
Talvez um dia , eu seja assim
e vos cubra de penas, como afago
Talvez um dia, eu ganhe asas
e seja feliz como eu mereço
talvez um dia, talvez um dia...
Tiago Seixas

ANJO

Quando descobri que tinha cancro, pensei que já não havia mal no mundo que se abatesse sobre mim. Eu já tinha palmilhado o mundo de lés-a-lés, à procura do meu filho. Fui de déu-em-déu, dormi embalada pelo vento frio da noite, em bancos carcomidos, nos braços dos moribundos. A dúvida sempre a serrazinar. Mas eu sempre tive a esperança que o iria encontrar. Quis ter uma alma nobre e perdoar a minha mãe, o que aconteceu foi um infeliz episódio. Culpei-a por não o vigiar em condições e queria que ela sofresse, por sentir-se culpada e por nunca me ter salvado do meu casamento. O meu ex-marido, não passou incólume, mas mesmo que ele vá para o Inferno, nada apaga os anos que vivi neste tormento, vítima de violência doméstica. Ele sempre soube manter as aparências, mormente em frente dos filhos, eu era sempre a culpada. Queria que eu acreditasse que eu merecia as tareias que levava. Fazia-me sentir um ser inferior. Quase acreditei, tão compulsivamente eram os abusos psicológicos. No dia em que a máscara caiu, o descontrolo foi total, a minha filha, grávida, pela primeira vez viu o carácter iracundo do pai, a infligir-me pancada. Não quis acreditar, o pai, o maravilhoso pai, tão afável a bater na mãe. Meteu-se à frente, para me salvar. Ela que sempre esteve a favor do pai em tudo, em meu detrimento. Foi quando ele, se transformou e deu-lhe tamanho pontapé na barriga, que eu não sei como a minha filha não perdeu o bebé. Nesse momento o meu instinto de mãe falou mais alto, não, basta, acabou de vez, estava disposta a tudo, só via sangue nas paredes, uma casa em ruínas, a rola Piaf, esbravejava as asas na gaiola, perdia as penas com a raiva, como se as arrancasse com o bico. Que cenário formidoloso era aquele? Acolhi a minha filha no meu ventre e chamei a polícia. Acabou-se. Agora que estou a reconstruir-me como mulher, tenho uma nova luta pela frente. A luta contra este cancro de mama. Estou sozinha, mas estou em paz! Aliás eu nunca estou sozinha, tenho a Piaf, tenho o olhar carinhoso da minha mãe, tenho a lembrança do meu filho e tenho a Ele. Talvez em breve, vá ter com Ele, não sei. Mas sei que Deus olha por mim e dá-me força para enfrentar os tratamentos e ter esperança que um dia irei abraçar o meu filho roubado. Gostava que a minha história fosse diferente, gostava de vos contar como fui feliz a fazer o enxoval, como amei os meus filhos, a guerreira que sou… Se não conseguir encontrar o meu filho, ao menos quero deixar o meu testemunho, para que mulher nenhuma passe pelo que eu passei. Reitero o amor enobrece, respeita, não agride, nem humilha. O amor liberta. Por amor a mim própria eu libertei-me, ganhei asas, estou a aprender a voar. Não há amor maior no mundo que de uma mãe pelos filhos, por eles, por mim, eu continuo a minha jornada, na esperança de vencer mais esta batalha… Até sempre, Maria Rita, que o amor esteja entre nós!
Por Tiago Seixas, inspirado em "Os Pássaros também choram"

stop

Quando eu casei pensei que era para toda a vida.
Assim me ensinaram
Ele era de boas famílias, tratava-me bem, dizia que me amava
Devia ter reparado nos sinais, durante o namoro começou a ser desconfiado
Controlava as minhas saídas, as minhas amizades, até se intrometia na forma como eu me vestia
Até ao dia que me deu uma primeira bofetada
Eu perdoei
Casei e gradualmente começaram as agressões
Primeiro, os insultos, fazia-me sentir um lixo
Depois paulatinamente, vieram as agressões físicas
Ele era engenheiro
Éramos de uma classe social alta
Sempre aguentei em silêncio
Escondi os abusos que me eram infligidos, de todos
Anulei-me
Até ao dia, em que se mata ou se morre
Gritei, "Basta"
Denunciei, deixei que o sangue e os hematomas falassem por mim
Mas as chagas da alma, ninguém as vê
Só quem viveu o que eu vivi
Sabe o que é o Inferno
Agora o terror acabou
Estou a reconstruir-me como mulher
Não tenho vergonha de ter sido vítima de violência doméstica
Somos todas mais fortes do que pensamos
Se eu fui capaz, todas somos capazes...
Maria Rita
Por Tiago Seixas, Inspirado em "Os Pássaros também choram"

O prédio

Naquele prédio inusitado, tudo era de loucos! A porteira coscuvilheira de ouvido atrás da porta que vivia de contos e ditos. Depois batia no peito com santimónia para dizer que não era de intrigas. As velhinhas dos últimos andares, que arrastavam o véu negro da morte, pelas vidas entediadas. Eram queridas inimigas. Uma tinha artes de surrupiar, a outra vivia em conflito com a neta. Os gatos eram verdes, amarelos e vermelhos. As escadas, eram infinitas até ao céu. Tudo me punha a cabeça a andar à roda. No apartamento, do Diogo, era um entra e sai de mulheres, no rés do chão Silvina e Toninho, discutiam mais uma vez "Sou uma desgraçada". "Dá-me um beijo"- dizia ele. "Chega-te para lá, que fedes a álcool". "Vou ao pão" e Silivina metia-se na mercearia para se amantizar com o merceeiro. Que deleite para Alice, a porteira, já ter o que contar. "Vá Toninho, que bom homem! Qualquer dia temos de mandar alargar as portas". "Cala-te mulher, só dizes disparates" - resmoneava Carlos Zé, o marido.
Era nas horas que me ausentava para ir visitar Dona Leonilde, para me fazer passar pelo seu neto Bruno, que encontrava um pouco de sossego. "Lá vai ele esmifrar a velha louca" - dizia a porteira à vizinha a sussurrar. "Que está a dizer?" - perguntava-lhe eu, acenando o dedo em riste. "Sua maldosa, não sabe o que é compaixão".
"Chegaste Bruno, vieste atrasado." -dizia Dona Leonilde, com o diário de Maria Rita na mão. Naquele momento não era Guilherme, mas sim Bruno. Sentava-me aos seus pés, ela afagava-me os cabelos e eu começa a ler, a vida triste de Rita, que a todos nós muito ensinou...
Por Tiago Seixas, súmula de "Os Pássaros também choram"

quinta-feira, 30 de março de 2017

O grito

O pior nem foram as bofetadas, os murros ou os pontapés...Eram os nomes que ecoavam dentro da minha mente. Chamava-me de inábil, burra, feia. Destruía o meu ego, queria-me submissa das suas vontades e desejos, só assim se sentia homem. Isto não é um homem. Um homem é um cavalheiro, que respeita a mulher e a estima. Isto não é nada. Não tenho nada, roubaram-me um filho, que poderei querer mais da vida? Não tenho um copo, nem um prato, nem um vidro que não esteja partido. A minha alma está fragmentada, o meu corpo violentado. Sou guitarra que não toca, sou barco à deriva no mar. Estou muito cansada, cansada de fingir estar tudo bem. Ninguém sonha o que vivi, sorrio às pessoas e escondo esta miséria de vida. Sou um mendigo de afetos e estou cansada. Muito cansada. Quando o meu filho voltar, por isso não sucumbi ao desespero, porque tenho fé que o meu menino volte, quero que me olhe com orgulho. Ensinaram-me que o casamento é para a vida, que o amor é para sempre. Que amor é este, que me humilha? Não, eu não quero mais isto, eu mereço muito mais, mereço ser feliz, basta de ameaças, torturas, pelos meus filhos, mormente por mim, eu digo "Não à violência doméstica"! Maria Rita
Por Tiago Seixas, Inspirado no romance "Os Pássaros também choram". Eu Tiago, jovem, homem e cidadão, digo NÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA! Que o meu livro seja um contributo, uma mensagem de alerta e prevenção a todas as Ritas do mundo, por quem eu tenho o maior dos respeitos!

piaf

Reitero o assunto, não acredito em acasos, nem em coincidências. Quando o cancro venceu o corpo da minha madrinha mas não a alma, visto o nosso amor ser intemporal, a minha amada avó fustigada pela dor da perda de mais um filho, nada mais quis do vasto espólio da minha madrinha, do que a gaiola com a rola Piaf. Piaf foi batizada no meu livro, o nome do pássaro de Maria Rita, uma das personagens principais, vítima de violência doméstica. Amiúde sentava-me nas escadas de mármore, junto à gaiola, no jardim e fitava a rola. Ela adejava naquele pequeno espaço e cantava. Já tinha o livro escrito. Certo dia, a minha avó telefonou-me muito preocupada, "o pássaro não canta, é preciso ver o que se passa". Quando cheguei, com solicitude fui ver o que se passava, Piaf estava morta, caída no chão da gaiola. Nos meus olhos ressumbraram lágrimas, depois nos da minha avó quando lhe disse. Era a memória viva da minha madrinha! Tudo acaba! Fizemos-lhe um funeral digno. Meses depois, a minha avó teve um enfarte naquele mesmo local, no jardim. Guerreira, lutou pela vida, perdeu a autonomia, mas está lúcida aos 93 anos e connosco. Depois do livro publicado, chego ao ginásio, subo ao primeiro andar, na sala de cardio e musculação, onde solicitamente, me deixaram colocar um cartaz da minha obra e pela primeira vez ao fim de tantos anos, que o frequento assiduamente, vejo uma rola idêntica à Piaf, a evolar pelas máquinas, sobre a minha cabeça. Se as janelas estavam fechadas ou inclinadas, como é isto possível? A capa do meu livro é um pássaro a libertar as mãos de uma mulher, das amarras que lhe prendiam a uma vida de abusos infligidos pelo marido. Isto é real, eu confessei-me a uma rola Piaf, nos dias de maior desvario e solidão, quando encontro no ginásio uma cópia fiel de Piaf. Quem me explica isto??? Há coisas que não se explicam, sentem-se...Tiago Seixas