quinta-feira, 30 de março de 2017

piaf

Reitero o assunto, não acredito em acasos, nem em coincidências. Quando o cancro venceu o corpo da minha madrinha mas não a alma, visto o nosso amor ser intemporal, a minha amada avó fustigada pela dor da perda de mais um filho, nada mais quis do vasto espólio da minha madrinha, do que a gaiola com a rola Piaf. Piaf foi batizada no meu livro, o nome do pássaro de Maria Rita, uma das personagens principais, vítima de violência doméstica. Amiúde sentava-me nas escadas de mármore, junto à gaiola, no jardim e fitava a rola. Ela adejava naquele pequeno espaço e cantava. Já tinha o livro escrito. Certo dia, a minha avó telefonou-me muito preocupada, "o pássaro não canta, é preciso ver o que se passa". Quando cheguei, com solicitude fui ver o que se passava, Piaf estava morta, caída no chão da gaiola. Nos meus olhos ressumbraram lágrimas, depois nos da minha avó quando lhe disse. Era a memória viva da minha madrinha! Tudo acaba! Fizemos-lhe um funeral digno. Meses depois, a minha avó teve um enfarte naquele mesmo local, no jardim. Guerreira, lutou pela vida, perdeu a autonomia, mas está lúcida aos 93 anos e connosco. Depois do livro publicado, chego ao ginásio, subo ao primeiro andar, na sala de cardio e musculação, onde solicitamente, me deixaram colocar um cartaz da minha obra e pela primeira vez ao fim de tantos anos, que o frequento assiduamente, vejo uma rola idêntica à Piaf, a evolar pelas máquinas, sobre a minha cabeça. Se as janelas estavam fechadas ou inclinadas, como é isto possível? A capa do meu livro é um pássaro a libertar as mãos de uma mulher, das amarras que lhe prendiam a uma vida de abusos infligidos pelo marido. Isto é real, eu confessei-me a uma rola Piaf, nos dias de maior desvario e solidão, quando encontro no ginásio uma cópia fiel de Piaf. Quem me explica isto??? Há coisas que não se explicam, sentem-se...Tiago Seixas

Sem comentários:

Enviar um comentário