terça-feira, 14 de março de 2017

Diário de Rita

Rita olha para o relógio, dá uma última passa no cigarro e antes que o carrasco volte, ela escreve a desdita do dia. Ainda tem as marcas do sangue a escorrer pelas comissuras da boca e os lábios em ferida. Da vetusta grafonola há uma tessitura triste. Piaf, a rola, bate com o bico nas paredes de aço da gaiola. Também ela está farta daquele Inferno, quer voar e levar consigo a sua dona. Rita solta um espasmo, não tem posição para se sentar, todo o corpo lhe dói, mormente a alma. Cicia baixinho "Pai Nosso que estais no Céu...", mas a sua oração é quebrada pela lembrança do filho. "Bruno onde estás, quem te roubou de mim?" Rita contorce-se como uma malabarista, soltando gemidos a cada movimento. Tem o ventre ferido, o corpo molestado, pelos abusos sexuais infligidos pelo marido. Rita continua "Olhai por nós pecadores..." Mas a imagem do filho, deixa-lhe os olhos marejados em lágrimas. Rita pousa o terço, agarra a caneta como uma espada, nas folhas brancas do seu diário, a porta para a libertação. " Por muito que ele me batesse, pelo corpo que trago em chagas, um dia eu vou voar, serei livre, ..., e nunca em momento algum, em cada estrondo, ele me roubou a dignidade." Assim foi!
... De Os Pássaros também Choram

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